Brasil, O País Do Futebol. Mas Por Que Não Do Futebol Feminino?

10 jul 2018

Durante a Copa do Mundo, vimos aqui e ali algumas menções ao futebol feminino e o quanto ele deveria ser valorizado. Fomos um pouco mais a fundo para entender tudo que a história do esporte carrega e conhecer algumas iniciativas para mudar este cenário.

Histórico

No Brasil, o futebol é historicamente idealizado como um espaço de homens. A mídia impressa, digital, obras audiovisuais e bibliográficas, nos mostraram e reforçaram durante décadas a consolidação do futebol masculino – o esporte de preferência nacional – no país.

Mesmo praticando o futebol no início do século XX, mulheres evidentemente tiveram suas participações em menor escala. Até 1920, colunas sociais e crônicas esportivas se referiam às mulheres como “meras espectadoras que traziam beleza e charme para as arquibancadas”*. Em 1921, a primeira partida feminina (registrada na cidade de São Paulo) foi tratada como chacota.

Pra gente entender um pouco melhor, no ano de 1941, o Conselho Nacional de Desportos decretou a proibição da prática de alguns esportes para mulheres, alegando que seriam “incompatíveis com as condições de sua natureza”. Futebol foi um destes esportes e essa lei sem sentido só caiu em 1979, acredite.

Somente nos primeiros anos da década de 80, começam a surgir times femininos e alguns clubes criavam equipes específicas.

Não tão longe assim

Na edição de 2001 do Campeonato Paulista Feminino, a Federação Paulista de Futebol (FPF) estabeleceu que, para uma atleta participar, precisaria ter sinais de feminilidade “para atrair o público masculino”. Cabelos longos, corpos com curvas, uniformes curtos e justos, atenderiam às exigências.

Eduardo José Farah e Renato Duprat, na época presidente e vice-presidente da FPF, em entrevista à Folha de S. Paulo soltaram declarações como: “Temos que tentar unir a imagem do futebol à feminilidade”; “Vamos ter um campeonato tecnicamente bom e bonito”; “com cabelo raspado não joga”.

Entre 2004 e 2014, as poucas reportagens incluindo o futebol feminino, continuavam demonstrando interesse em enaltecer o charme e a beleza de jogadoras, deixando em desvantagem a competência profissional, por exemplo.

Disappointed but not surprised.

Futebol é um espaço de transformação

Nos primórdios do futebol masculino, o esporte era uma prática de lazer exclusivamente destinada aos brancos e à elite. Basicamente, era necessário ter dinheiro para conseguir praticar e arcar com custos de materiais específicos. Posteriormente, no ano de 1930, houve uma popularização do futebol permitindo que negros e pobres pudessem se profissionalizar, e ocupar os campos e estádios.

Com as mulheres foi diferente, desde o início o esporte era associado às classes desfavorecidas. Se ela praticava, não era “dama”; se não era “dama”, era pobre.

No artigo “Futebol feminino: espaço de empoderamento para mulheres das periferias de São Paulo”, escrito por Mariane da Silva Pisani, a pesquisadora faz reflexões extremamente importantes: “é inegável que o futebol é um espaço de transformação e empoderamento das mulheres negras, pobres e de periferia”.

A maioria das jogadoras hoje é negra, e ressalto estas reflexões porque o esporte representa possibilidade de ascensão social para elas. É preciso questionar quais são os espaços ocupados por – neste caso – mulheres negras na sociedade.

Como exemplo, a maior parte da equipe “Guerreiras Futebol Clube” (da periferia paulistana), que foi objeto de estudo de Mariane, possui histórico de violência doméstica/familiar e o futebol aparece no discurso das jovens mulheres como oportunidade de romper com esse tipo de situação.

O futebol se manifesta de maneira a trazer outras perspectivas para a vida destas mulheres. Segundo o artigo, elas “ganham autonomia; recuperam a autoestima; ampliam as redes de contato, proteção e afetividade”. Existe uma rede de proteção e ajuda mútua entre elas.

Valorizem nossas atletas

Já cansamos de dizer que futebol (e outros esportes com influência significativa masculina) não é coisa só de homem. É preciso ter exemplos femininos na TV, nos livros, nos comerciais, nas escolas. Segundo a Professora da Faculdade de Educação Física e Esporte da USP, Katia Rubio, outro ponto necessário para mudar o cenário é a união das mulheres para alterar a estrutura de poder do futebol.

A Seleção Brasileira de Futebol Feminino foi heptacampeã da Copa América em abril. A vitória garantiu vaga nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020, e na Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2019. Pena que, muito provavelmente, nenhuma emissora de TV aberta transmitirá os jogos.

Nossas atletas mulheres precisam ser valorizadas. Até os salários têm diferenças absurdas. Pra você ter noção, comparando os “camisa 10”: Marta recebe um salário de dois milhões de reais por ano, enquanto Neymar, 140 milhões de reais por ano. Só 70 vezes mais. Marta foi eleita por cinco vezes melhor jogadora do mundo da Fifa, enquanto Neymar não ganhou nenhuma vez.

Em entrevista à Revista Personnalité, a jogadora Formiga, que joga pelo Paris Saint-Germain e contabiliza várias partidas pela Seleção Brasileira, diz: “Não somos como o masculino, em que num mês já está ‘bilionário’. Quem me dera. Levei muito tempo para poder levar uma vida tranquila e poder também ajudar minha família”.

Além dos números, dentro de campo também ainda existe uma divisão. Nessa mesma entrevista, Formiga conta que treina um pouco longe de Neymar, Daniel Alves, Thiago Silva e demais brasileiros que jogam pelo PSG: “a gente treina um pouco longe, em campos diferentes, e os horários dos treinamentos coincidem, então é raro a gente se encontrar. E há essa cultura de sermos separados, o feminino e o masculino”.

Formiga e Marta entraram para o panteão da Sala Anjos Barrocos, no Museu do Futebol em São Paulo. Até então a sala era reservada apenas para os craques homens.

Falando em Copa

Esse ano a FOX Sports 2 transmite os jogos com narração e comentários feitos por mulheres, pela primeira vez na história da Copa do Mundo.

No fim do dia também tem mesa redonda formada por mulheres para comentar a Copa do Mundo. “Comenta Quem Sabe” é liderado por Vanessa Riche, Livia Nepomuceno, Daniela Boaventura, Nadine Bastos e Isabelly Morais.

Ainda dá tempo de acompanhar, os jogos vão até domingo, dia 15 de julho. :)

Falando em boas iniciativas

Mulheres fizeram parte da campanha da Nike para a Copa do Mundo 2018. As fotos de divulgação dos uniformes da Seleção Brasileira trouxeram Andressa Alves ao lado de Philippe Coutinho, Paulinho e Neymar. As meninas do Pelado Real F.C. também representaram na campanha de Brasileiragem.

Além disso, a Nike inaugurou um espaço temporário em São Paulo, onde é possível passar por diferentes experiências de customização e outras coisas relacionadas ao universo do futebol. Nomeado Nike FTBL Studio, o espaço foi dedicado no último sábado (07/07) para as mulheres apaixonadas por futebol. A programação trouxe uma conversa com a craque Andressa Alves, “Workshop Sneakers e Chuteiras”, quadrinha de futebol 1×1, customizações e outras coisas bem legais.

Conheça melhor

Antes de terminar, precisamos que você conheça algumas ótimas iniciativas para combater o machismo no esporte e unir mulheres ao que amamos.

O Movimento Toda Poderosa Corinthiana une torcedoras de todo o país e nasceu da necessidade de debater temas como o machismo e o sexismo no futebol.

Olga Esporte Clube resgata o prazer pelo esporte reforçando os significados essenciais da prática: socialização, crescimento pessoal, relação harmônica entre nosso corpo e a natureza, transcendência, inteligência emocional, o exercício da coragem.

Galo Queer é o movimento anti-homofobia e anti-sexismo no futebol dos torcedores do Atlético Mineiro.

Pelado Real Futebol Clube com treinos infantil e adulto, a liga empodera meninas e mulheres por meio do futebol.

O canal CBF TV traz vídeos dos bastidores dos jogos, entrevistas, treinos, da Seleção Brasileira e do sub-17.

Somos defensoras do futebol feminino! Somos defensoras da Formiga, Marta, Andressa, Rilany, Cristiane, Daiane, Thaisinha, Raquel, Bia (…) e de tantas outras que diariamente afirmam que esse espaço também é seu.

Fotos: Divulgação/Nike, Divulgação, Divulgação/Museu do Futebol
Os seguintes artigos e textos ajudaram na construção desta matéria. Obrigada ♥
Brunno Carvalho, « Sensualidade e beleza eram prioridades no regulamento do Paulistão feminino », Uol Esporte, 2017. Disponível em https://goo.gl/81viXF
Fernando Eichenberg, « Paris Sob Ataque de Formiga », Revista Personnalité, 2017. Impresso.
Mariane da Silva Pisani, « Futebol feminino: espaço de empoderamento para mulheres das periferias de São Paulo », Ponto Urbe, 2014. Disponível em https://goo.gl/SxW6uh
Natalia Milano, « #4 MARTA », O Álbum das Mulheres Incríveis, 2018. Disponível em https://goo.gl/WsTwDb
Renata Mendonça, « Mulheres e futebol no Brasil », BBC Brasil, 2017. Disponível em https://goo.gl/ikDzWn
Silvana Vilodre Goellner, « Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades », Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em https://goo.gl/bxu6Bq

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